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Writer's pictureMaria Alice Gadelha

2020

Não sei para vocês, mas, para mim, 2020 foi um ano épico. Eu fui finalmente seguir o meu sonho em São Paulo, cidade esta que está me matando de saudade. Cheguei no aeroporto de Guarulhos em fevereiro, com algumas roupas e cheias de sonhos dentro das minhas malas. 2020, para mim, significou coragem desde o princípio. Pela primeira vez, chegando no aeroporto de Guarulhos, pude me sentir em casa.


Peguei um Uber com o celular descarregado (como de costume), o motorista tentou conversa, mas eu, anestesiada pelo chuvisco que caia, pus a cabeça para fora da janela do carro e me deixei devanear, com vários pensamentos embaralhados e que se configuravam com a agilidade de São Paulo. Meu coração estava tão certo de que lá se passaria meu ano, que não abria espaço para imaginar que o surto de um vírus doido que se passava na China e, se alastrava pelo mundo, iria chegar às terras tropicais do nosso querido Brasil.


Passei exatos quinze dias em São Paulo, resolvendo faculdade, apartamento, andando à esmo pelas ruas largas da cidade que, ousam falar, que nela, não há amor. Foram dias muito acelerados, incertos, mas certos de vontade. O fato é que o vírus que se passava na China, não brincou em serviço e não tardou a chegar ao Brasil. As aulas foram canceladas, a minha passagem de volta para casa logo foi comprada. Falei para os meus sonhos que eles me esperassem um pouco, dormissem no tempo e que, no momento exato, eu os acordaria.


Deixei metade das minhas bolsas em São Paulo, posto que, à época ninguém pensava que a pandemia do COVID duraria tanto. A pandemia dura até hoje, houve tempos em que ela se tornou menos violenta, mas hoje, voltou à sua forma original e anda bambeando um bocado de gente.


2020 me ensinou muito, sabem? Ensinou-me que a mutabilidade é uma constante inconstante da vida e que de nada adianta tentarmos ter o controle sobre ela. Um dia destes, conversava com um amigo sobre isso, ele estava me dizendo que o fogo era o único elemento que estava sempre subindo, independentemente de onde ele viesse. Daí então, eu falei a ele da selvageria do fogo, porque o fogo não se adequa a lugar nenhum, aliás, adequam-se a ele, ele faz as formas. A vida é fogo, é fugaz, sai queimando, dilacerando, mas aquece o coração também e é linda, magicamente linda, igual as chamas que o fogo solta.


2020 me mostrou que o tempo não destrói o que é realmente nosso, haja vista que em uma parte da quarentena eu me mudei para Campina Grande, e lá foi a cidade que passei o fim da minha infância e toda a adolescência. Apesar de ter estado num flat que aluguei, e não na casa dos meus tios, a casa em que morei, sentia-me perto deles, sentia que a cidade era a mesma, apesar de eu ter mudado tanto. Campina me acolheu da mesma forma que acolheu a menina de 12 anos que um dia fui.


Em agosto, voltei à João Pessoa, ao apartamento dos meus pais, em que morei durante a infância. A criança que fui, voltou aos meus braços, me chamou para tudo que sempre gostei. Interligou-me a moda, ao teatro, à escrita, estes todos empoeirados pelo tempo, soprei-os e eles me voltaram como a brisa única e leve de João Pessoa. Porque quando o tempo para, ele nos obriga a pensar em nossa essência e, 2020 fez a essência de todos renascer, no carbureto, porém, por isso, ele foi tão marcante. A velha história: Não há um mal que não traga um bem.


O apartamento foi tomado por jovens, amigos e desconhecidos que se tornaram conhecidos depois. O apartamento cantava alto, de blues até sertanejo. Todos na ânsia de um conforto maior, que se sentia aqui, independentemente da bagunça que se via em todo o entorno. O COVID fez com que a solidão brotasse, sendo a solidão muito boa também, mas quando em excesso, ela faz surgir a saudade. A saudade do convívio era aqui e ela se matava aqui também, no vasto apartamento, vasto de sentimentos.


Foram meses únicos, meses de gargalhadas, de muita música e de trezentas garrafas de vinho, para que se esquecesse do ano maluco em que vivíamos. E agora as garrafas de vinho serão abertas em 2021 e, espero que ao menos uma delas se quebre, porque significa sorte e eu acredito na sorte, no destino e sobretudo, na vida. A quebra de uma garrafa explode a forma dela, porque as formas não serão sempre as mesmas, o que há dentro das formas sim permanecem, de algum modo, igual, como a essência humana.


2020 pôs as nossas essências desnudas e por isso ele foi importante, as formas se modificaram após este ano e ele nos ensinou que continuarão se modificando, portanto, como temer a mudanças? Vem 2021, vem como um mergulho no mar, que cura e que nos arrasta para onde manda o nosso coração.




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