Rosa frequentemente era interrompida em mesas de bares. Ela dizia algo e logo lhe interpelavam, como se o que viesse a dizer fosse insignificante para a discussão posta em mesa. Rosa sentia raiva, quase que por impulso seria capaz de puxar a toalha de mesa e mandar para o brejo todas aquelas palavras de homens medrosos.
Rosa achava estranho ter peitos fartos para um corpo tão miúdo, achava estranho se diferenciar de tantas outras e outros por ter verdades a dizer, quando a superficialidade cabia melhor àquela cultura provinciana que, inevitavelmente fazia parte. Mas a verdade lhe era um vício, um bem maior que lhe determinava a proferir frases em desordem.
Tanta gente lhe julgava... Dizia toda esta gente que suas pétalas não eram assim tão brilhantes, que eram cheias de fragilidade, que o vermelho escarlate que acentuava seus lábios carnudos lhe fazia imediatamente de fácil acesso.
Cresceu de tal modo, sentindo-se culpada pela sua imensidão física e mental, que não obstante destoava deste mundo patriarcal, habitado majoritariamente por homens covardes, que cobiçavam apenas possuir a imensidão de Rosa numa cama qualquer.
Os pensamentos de Rosa se faziam atraentes da primeira taça de vinho à segunda, da terceira em diante o que se era atrativo estava escondido sobre vestes não muito decorosas e cheias de fantasia. Mas Rosa era muito mais e tinha consciência disto.
Rosa ansiava usar roupas largas e que pouco denunciassem o que estava sobreposto à elas. Rosa queria engolir o próprio talo e deixar com que os outros engolissem de boa fé as raízes de seus pensamentos. Ela percebia a cada dia que se tornava mulher, posto que não se era mulher desde o primeiro suspiro, como lhe definiu Simone de Beauvoir no Segundo Sexo.
Ela se via cada vez mais pronta a escutar outras mulheres e a não prosseguir na busca insaciável de encontrar outros sexos que lhe dessem voz. Atentava-se cada vez mais para com os ecos das vozes de mulheres que eram agredidas em casas pequeninas e também em casas gloriosas. Vozes estas que lhe assustavam no calar da noite, fazendo-lhe criar um espaço mental para as preces sofridas de tantas Madalenas.
Percebeu que sua voz tinha um papel importantíssimo na revolução do agora, ela não podia mais se calar, apesar das vozes masculinas tentarem “educadamente” lhe pedir a vez. A vez era sua!
Cansou-se do cavalheirismo abstrato, dos diálogos com objetivos profanos. Cansou-se de se deixar moldar, o seu molde era agora o que sonhava a partir de si mesma, de sua evolução feminina e eterna.
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