Eis que era uma sexta-feira fria, comum como qualquer outra sexta do mês de junho, quando Igor, um amigo querido e um tanto místico, toca-me o telefone. Antes mesmo de me dar boa tarde, já fora me relatando o que acabara de comprar: Um cachimbo. Eu nunca havia posto um cachimbo na boca, assim, logo lhe disse para vir correndo até minha casa, com o seu novo amigo, óbvio.
Ele chegou, envolto por toda a sua áurea de mistério e, acho que é esta característica intrínseca à ele que mais me faz gostar de sua companhia. Trouxe consigo o cachimbo. Minutos depois, pôs o tabaco e a camomila na barriga do seu novo amigo, fazendo-lhe soltar um cheiro delicioso e frutado que me remeteu à imagens borradas das fazendas que outrora já perambulei.
Eu ficava alternando entre o meu cigarro e o cachimbo. Já ele, parecia criança, empolgado com o novo brinquedo, que para ele, era um acessório que não poderia faltar no bolso de um poeta, ou no bolso de uma pessoa poesia. No fim, não sei se ele é poeta ou poesia, ou se é os dois.
Olhando para a janela do prédio alto e cosmopolita que nos encontrávamos, víamos de forma amiúde uma comunidade embaixo de nossos narizes. Igor me dizia que achava que noutras vidas fora muito humilde, um boêmio também. Disse-me que achava que tinha morado numa comunidade como aquela e que, numa mesma sexta-feira de sua vida passada, ele estava com os seus amigos, tomando uma gelada num copo americano e desfrutando da plenitude da simplicidade. Em sua vida passada, seguia sem medo de se perder ou de perder alguma coisa, porque, quando nascemos sem muito, arriscamo-nos mais por não se ter demais.
Eu cansei rapidamente de olhar para a desigualdade que se encontrava debaixo do meu nariz de pequeno-burguesa. Uma desigualdade tamanha que eu tinha a sensação de que a qualquer momento ela se agigantaria e me bateria a porta. Sentei no sofá, inebriada, com a pressão um pouco baixa e com os pensamentos que ferviam descompassadamente.
Inesperadamente, veio-me a vontade de discutir sobre o amor. Falava a Igor como era difícil encontrar a reciprocidade neste âmbito bandido e também heroico.
Às vezes amamos demais, às vezes amamos pouco quem nos ama bastante. Às vezes amamos aqueles que não podemos amar, às vezes amamos quem não se encaixa nos nossos ideais. Às vezes a gente ama não amar, mas amar é vício, é inerente ao nosso querer. Só se ama com intensidade quando não se encontra razão do porquê de amar, a justificativa é só uma: Porque amo.
E percebo que na minha vida inteira, sempre fui assim, sem muita justificativa pro amor. Eu sempre sinto quando bato os olhos num homem que há de marcar meu destino de algum modo, talvez seja magia, ou talvez seja a minha permissão eterna de me fazer aquiescente do amor. Sou cúmplice deste sentimento, entrego-me sem pensar demais em sua profundidade. Por tudo isso, Igor, que me olhava com perspicácia, falou-me que sabia o que eu tinha sido na minha última vida passada: Uma prostituta. Fui preconceituosa, assustei-me e, disse que não fazia sentido algum, porém, ele me convenceu que eu era uma porta sempre aberta pro amor, que eu não temia sua grandiosidade, bem como as prostitutas, que vivem num mar revolto de paixão e de coragem.
O amor é doação, mas falo isso através de embasamentos próprios e experiências muito minhas. Amor, para mim, é cumplicidade e liberdade, é entender sobre tudo aquilo que deixa o outro feliz, independentemente disto vir a ferir o nosso ego. É minha percepção, contudo, muita gente neste mundo acredita que o amor é prisão; Que amor é difícil, que o amor é puramente química, que o amor é crime, que amor é sangue ou que o amor é desimportante, que o amor deve ficar escondido nas coxias e não no centro do palco italiano.
É difícil compreender que o mundo só gira com maestria porque o seu combustível é um amontoado de percepções variadas e, devemos tentar crer nas percepções dos que amamos. Neste dia que Igor me trouxe o cachimbo, para meramente nos deleitarmos, eu pensei que aquele cachimbo não fosse um objeto somente, um simples cachimbo, mas sim, que fosse como aquele quadro de Magritte: Ceci n'est pas une pipe (Isto não é um cachimbo). Já para Igor, o cachimbo relembrava suas raízes de uma vida passada, pouco conhecida, em que ele fizera parte de uma comunidade cheia de união e aceitação.
Pouca coisa nesta vida é rasa, pouca coisa nesta vida não esconde um segredo ou uma verdade nunca dita. Os olhares dos seres vivos falam mais do que podemos imaginar e neles, escondem-se vestígios das personalidades únicas e tão recheadas de magia. No fim, nem tudo é tão belo ou tão feio quanto aparenta ser, depende somente das percepções criadas pelas experiências vividas. Isso só mostra o quanto não caminhamos sozinhos e do quanto precisamos de mãos que levantam e olhos que nos olham com compaixão, senão, de nada serve viver.
Com o amor não poderia ser diferente. O amor não se constrói só, não se alcança só e dele, se florescem sentimentos inexplicáveis e majoritariamente, impalpáveis. O amor é licença poética, é de dupla percepção, é de dupla.
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