Beirando às oito horas da matina, vestida de vinho e de cerveja dos pés à cabeça. Os cabelos bagunçados, característicos dos dias surpreendentes e que costumam correr velozmente, sem nos dar tempo de refletir sobre o próximo passo.
O próximo passo foi ele. Uma ligação telefônica, uma parada em seu itinerário para me resgatar. Eu entrando em seu carro, já despida de alma e de qualquer sentimento que faz parte da família do orgulho. Porque ele sim me desperta uma vontade louca de me despir, não somente de alma, como de corpo, sem pensar na moralidade que paralisa tudo aquilo que é profundo, mas que, por ser profundo, me faz ebulir.
Ele me faz retornar aos instintos mais primitivos que ainda abrigam o meu interior imprevisível. Com ele, sinto-me livre como as aves que transmutam entre o sertão e a capital. Com ele, não consigo medir até onde posso ir e nem quando irei voltar. Com ele, consigo ser quem sou e consigo ver compreensão plena em seus olhos de menino.
Naquele carro, à caminho de algum lugar, antes mesmo de nos tocarmos à pele viva, e de, consequentemente, nos explodirmos mutualmente, a energia que transitava entre nossas falas e suspiros era só uma, uma energia como a de Bonnie & Clyde, de pura cumplicidade.
Nada do que dissessem nos faria parar, nem as aves que tecem o equilíbrio, indo do sertão à capital, nem elas... Nem elas se pousassem no parapeito do carro. Nem mesmo uma avalanche, nem mesmo uma arma carregada na incumbência única de nos parar. Nem a frieza da madrugada que vivíamos. Estávamos quentes, imbuídos na fogueira que preparamos através de nosso próprio prazer.
O erro é meu por não saber parar, o erro é dele por ceder ao seu desejo e temos noção disso, mas acima de tudo, o erro é nosso e é nele que mora o magnetismo que nos interliga.
Ele foi comigo, sem saber para onde a minha coragem de menina moleca o estava levando. Eu sempre acabo lhe convencendo a entrar em minha própria dança. Ele aceita, por saber que não vai encontrar uma passageira com lábios intrinsecamente feitos para o Baco, e não somente para ele. Sabe também que não encontrará uma voz tão baixa e, ao mesmo tempo tão alta como a minha. Ele sabe que é no encontro dos meus lábios, quando deslizo meus dedos em seus fios de cabelo, que o Rio de sua boca deságua no meu Mar.
Ele sabe que não encontrará o enigma que reside no meu olhar em outros olhares, ele entende que todo o resto é banal. Ele sabe e crê em mim com a mesma veemência que sua mãe crê na Virgem Maria. Eu creio nele, assim como creio que o que a vida quer da gente é coragem. Juntos somos um santuário profano. Fazemos amizade com o céu e com o inferno, unimos ambos pela fúria de nossa paixão fugaz.
Mas então, beirando às oito da manhã, depois de tanto reprimir o que não se pode reprimir, sentindo sua coxa roçando em minha coxa timidamente, afinados em energia, olhou-me faminto e disse: Nos últimos tempos você é o meu maior entorpecente, melhor que o álcool, que o cigarro e que todo o vício que me permite respirar. Eu ri, de maneira apaixonada, perdidamente apaixonada. Fiz um coque no cabelo, na pretensão de que ele pudesse enxergar toda a vontade que deslizava pelo meu rosto. Penetrei-o num olhar que só ele seria capaz de decifrar.
Horas depois, ele tirou minhas vestes, eu tirei as suas e ele então me sucumbiu. Abriu-me e, sendo como é, domado pelo caos, ainda não teve a coragem de me fechar.
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