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Writer's pictureMaria Alice Gadelha

História de uma amizade

Updated: May 11, 2020

Eu a conheço há mais de dez anos, mas quando a conheci tivemos um contato raso, discrepante da paisagem que nos comia os olhos. Conhecemo-nos em um verão em Camboinha, lugar onde nossas famílias iam para se aproximar do calor latente dos meses de dezembro e janeiro que se faz na Paraíba. O mar era a nossa principal vista, à tarde costumávamos caminhar com uma turma de amigas pela areia da praia. Eu era a mais nova, posto que ainda tinha doze anos, enquanto que as colegas de minha prima tinham treze ou catorze anos, e ela era uma destas colegas.


Neste verão, dei o meu primeiro beijo e todas as meninas ficaram sabendo, ela já tinha namorado e quis se aproximar de mim por muita curiosidade a meu respeito e por ter características que muito se assimilavam as minhas. Ficamos inseparáveis nestas tardes de filtros solares e cores pastéis, conversávamos sobre os nossos casinhos de amor e sobre o pouco bronze que nos colava à pele. Éramos pueris demais, pela pouca idade, talvez, mas adorávamos os nossos longos diálogos.


As aulas voltaram, afastamo-nos e nos encontrávamos em raras ocasiões, mas sempre com sorrisos largos e cheios de vida por estarmos juntas. O tempo passou e eu mudei de cidade, perdemos o pouco contato que tínhamos e seguimos nossas vidas, preservando as características que nos uniam e também aquelas que nunca foram capazes de nos afastar.


Eu a acompanhava através das redes sociais, a via crescer, ficar ainda mais bonita que já era quando infante. Os cabelos de fios dourados tinham ainda mais luz, o rosto estava mais afilado e os olhos cor de mel em nada mudara a rota. O olhar tinha a mesma transparência de sempre, talvez fosse tão transparente pelo fato de sua mente e seu corpo terem até hoje um medo das atitudes humanas e dos seus tão esnobes julgamentos, então o olhar transborda, seguindo as ordens de seu coração.


Aqueles anos para mim e para ela passaram vagarosamente, contudo existia em nós o desejo mútuo de mudar a nossa realidade pacata, atribuída à nós por outros, por sermos rostinhos bonitos e pouco capazes diante dos olhares que nos faziam submissas. Não estávamos presentes àquela fase que muito nos ajudou em nosso autoconhecimento e somente hoje temos a clareza devida de perceber o peso de sua importância em nossa trajetória. Através desta fase descobrimos quem somos e o que não queremos.


Acabei por voltar a minha cidade de origem e com minha volta, os fantasmas do meu passado condensado voltaram a me chamar, agora, com vida. Voltei aos lábios do meu primeiro beijo, fantasiei-me da menina pueril da época, acreditei que o primeiro beijo pudesse ser o último de minha vida, o eterno, pela enérgica força que residia naquele encontro de bocas, porém não foi assim. Ao invés de harmonia, havia muita mágoa, mágoas que existiam antes mesmo de virmos ao mundo, houve por isto, sofrimento e confusão.


O ano era 2017, fazia terceiro ano e tinha inúmeras dúvidas a respeito de meu futuro profissional, muitas alternativas por escolher, e pouca vontade de decidir. Numa tarde de sexta-feira, em que havia terminado uma prova, voltei para casa onde morávamos eu e minha irmã, e sem programação certa para a noite, fiquei num puríssimo ócio estirada no sofá e me torturando por tudo que estava tão incerto naquele momento. Lembrei-me de como era feliz em minha infância e tornei a pensar nos personagens que fizeram parte dela. Como num estalo, a menina de fios dourados veio pousando delicadamente em minha cabeça. Falei com ela e combinamos um encontro para a mesma noite.


Um estranhamento dominava a todo o meu ser, não nos víamos havia muitos anos, éramos duas estranhas, como marcar um encontro assim tão de repente? Enfim, já estava feito, vesti-me com uma saia longa, rasteira e um cropped, maquiei-me e peguei uma bolsa que muito usava na época. Fui pegá-la em casa de Uber, desceu às escadas do prédio uma menina de calça flaire, blusa de seda e salto alto, cabelos escovados e muito bem maquiada, senti-me inadequada.


Quando entrou no carro me sorriu e parecia um pouco tímida, eu também estava, mas resolvi puxar assuntos amenos para quebrar o clima que se fazia entre nós, naquele momento, duas estranhas. Falamos sobre escolhas, sobre como o último ano da escola era amargo, sobre o fato de eu ter estudado teatro e de pensar como numa escolha, e ela que já pensara o mesmo sobre si mesma mas que acabou por decidir por arquitetura.


Chegamos ao restaurante japonês e ao sentarmos à mesa, o clima esquisito que se fazia foi embora ao longo de nossas conversas interessantes. A agitação era tanta que uma fazia força para conseguir falar, justo porque a tagarelice fora conservada em ambas no tempo que se passara. Falamos sobre astrologia, sobre moda, arquitetura, sobre arte e principalmente sobre as nossas vidas. Pós algumas horas leves e boas, ela precisou ir, havia marcado um cinema com o namorado e eu resolvi sair com outras amigas.


Desde este dia, tornamo-nos carne e unha, inseparáveis. O desejo de uma era igualmente o desejo da outra, éramos cúmplices, melhores amigas, mesmo com estilos diferentes e rumos de vida também. Ela diz até hoje que trago leveza à vida dela e faço os seus melhores sorrisos, eu, no entanto, não consigo pensar noutra coisa senão a leveza que ela igualmente me traz.


Vivemos muitas aventuras neste ano de 2017 e nos posteriores a ele também. Aprendemos coisas lindas uma com a outra. Entramos juntas na difícil vida adulta. Ela me ensinou a ter mais pragmatismo em minha vida, a ser mais organizada, a dar mais valor ao que uso e ao que tenho. Ensinou-me sobre arquitetura, mostrou-me diversas bandas legais, deu-me conselhos cheios de firmeza, como uma boa virginiana faz e também me disse para não me submeter as críticas que não dizem respeito a mim e sim aos que me falam, como uma boa escorpiana deve fazer.


Eu lhe ensinei a ser mais livre, a não pensar tanto com a cabeça, a ler mais e estudar verdadeiramente aquilo tudo que lhe interessa. Ensinei-lhe que a felicidade é uma arma quente e que devemos lutar por ela, lutando assim por nós primeiramente. Digo-lhe constantemente que é uma sorte a todos aqueles que lhe rodeiam, posto que é mesmo a realidade, ela traz luz e paz aos que lhe conhecem.


Nossas tardes e noites passaram a ser na piscina, em meio a diálogos profundos, confidenciando segredos e atitudes. Não éramos mais pueris, éramos a força que faltava uma na vida da outra, uma rede de apoio improvável de se romper. Viajávamos no passado em que não estávamos presente uma na vida da outra, eram longas sessões de psicanálise, pode-se dizer. Bebíamos vinho branco como se fosse água e nos revelamos paulatinamente por inteira uma a outra, como a chuva se revela ao sertanejo, sem pedir nada em troca, apenas se revela por ter vontade de chover.


Temos os nossos mil sonhos todos concatenados em nossas cabeças, como se eles já tivessem se realizado e, acho mesmo que se realizarão, porque o que falamos juntas têm muita força, tem quase que o mesmo efeito mágico do "H' oponopono" . Os meus sonhos, estes que talvez eu só conte para ela e vice-versa, são benzidos por nosso vigor, pela nossa parceria.


A amizade que temos é destas que se torna familiar, por se existir um vínculo tão intenso e cheio de amor, amor puro e sem maiores deveres a se cumprir, já que não obstante se selou uma lealdade que se encontra num plano espiritual que não se alcança nesta vida, apenas se sente nesta vida.






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