Um olhar que me comeu desde o princípio, com fome e sede de me conhecer, de saber como o caos fazia tão bem a um corpo tão pequeno e de como este caos nunca fora capaz de devorar este corpo. Isso, decerto, deixou-lhe faminto.
Ele fora curioso, desde a primeira noite em que nos conhecemos, desde o primeiro toque. Eu não achava que iria me apaixonar por alguém que destoava de mim em tanto. Eu me blindei, por medo, medo de me apaixonar pela organização e racionalidade que sempre foram insensatas para mim, mas que cabia tão bem à ele.
Logo eu que nunca tive medo da paixão, escondi-me dela, numa brincadeira de esconde-esconde que me viciou. Talvez por isso que eu não tenha tido coragem de escrever da força que ele me enlaçava na cama, porque assim o papel estaria sendo cúmplice de um crime que desejo ofuscar. Somente agora, tendo-o distante, longe, mas quimicamente próximo, escrevo.
Eu sempre gostei de coisas que reluzem, eu tenho orgasmos ao sentir os feixes de sol invadindo minha pele. Ele era essa coisa que reluzia. Durante o sexo, o meu olhar se prendia em seu ombro de bronze, que continham pequenos, quase que imperceptíveis pelos, que mais pareciam as fagulhas que se soltam de uma fogueira quente e destrutiva.
Além de sua pele bronze, boa de se tocar e de se ter colada feito tatuagem, os seus olhos reluziam toda a paz que mora dentro de seu ser. A paz é tanta, que o seu olhar me parecia conseguir perambular por onde bem quisesse. Eu evitava o seu olhar, sabendo, conscientemente ou não, que se assim fizesse, estaria mais distante de me aprofundar na matéria que é ele.
O cômico, o estranho e o bandido, é que a instabilidade sempre me proporcionou tesão e êxtase, ele, chegando vagarosamente, sem pedir nada a mim, contrariou por completo a minha filosofia e o meu sentir, já que, estou hoje entregue a pacificidade que reside nele.
O que era só corpóreo, o que era apenas lascivo, o que era somente atritos entre peles de tons que se complementavam, tornou-se a me fazer desejar a energia de paz que nunca me fora aprazível.
Hoje eu só o quero novamente dentro de mim, convencendo-me na cama de que a mora é boa, de que a moral às escuras não tem vez e me fazendo crer que sim, fincar os pés nalgum lugar pode ser prazeroso. Hoje, eu que sempre amei falar e ser ouvida, poderia passar horas ouvindo o seu silêncio.
Hoje, indubitavelmente, eu lhe olharia nos olhos e lhe diria para ficar, porque sim, agora não tenho dúvidas de que pela primeira vez na vida eu estou apaixonada pela mansidão, porque a mansidão conversou com o meu caos.
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